Bagunça – de Willian Douglas

Achei um texto maravilhoso do William Douglas no Facebook e resolvi compartilhar por aqui. Fala sobre as “maravilhas” de ser um pai.

20 de fevereiro, 2012.

Bagunça

Chego na geladeira cara, laminada em aço, que era o último tipo quando montei a casa, mas ainda brilha, e contemplo um enorme selo da “HotWheels” de fora a fora, e uns outros adesivos, de temática outra, postados ali pela menina que, com 9 e não, como o do meio, aos 4, prefere Selena’s e Miley’s. Em breve o de 2 virá pregar por certo bichos simpáticos e que falam, um urso, um coelho, algo que demarque o território que já foi sóbrio e expanda o imaginário deles. Sorrio. Mas me agrada a bagunça da casa.Não tenho coragem de impedir, como devia, os riscos de caneta, os borrões de tinta, pelas paredes e, num descuido de segundos, no sofá de marca, na cadeira fina. Ter filhos é abdicar de sanidade e modas, de zelos bem sucedidos: qualquer que seja seu esforço, você irá perder o controle. A hipótese da tirania, que já me passou pela cabeça, confesso, não compensa: casa com filhos tem que ter bagunça, riscos, manchas, acidentes, preferencialmente leves, mas definitivamente é uma casa aparentemente sem capricho, descuidada.O que talvez alguém desatento não perceba é que há capricho na casa de paredes tingidas, e cuidado sim nos móveis destruídos, arranhados, remexidos. Capricho com os filhos, atenção com a criatividade que, temos certeza, irá mudar o mundo e resolver a fome, o câncer e as guerras. Nossos filhos, os meus e os seus, são nossa última esperança. E, já disseram, cada um novo que nasce é a prova cabal de que Deus ainda aposta na raça humana.Amo a casa zoneada, loteada, perdida. A arrumação que me tranquiliza a mente, que pacifica meus sentidos, meus TOC’s, manias e velhice, tudo dura, eu já contei, poucos minutos. Eu, a mãe e as empregadas, esse exército derrotado, arrumamos tudo: uma coisa em cada lugar, cada lugar com uma coisa. Minutos, é o que basta, e vemos a assinatura deles. Logo passam aviões voando no mais alto que os braços deles pode levar, carros zunindo, músicas tocam, filmes começam a ser exibidos para, ainda que abandonados pelo meio, no final da contas serem, cada qual deles, vistos à exaustão. Não há canto secreto imune às peças de Lego, nem tintas e canetas que bastem para o que desenha castelos, pontes, faróis e pontos turísticos do mundo afora. A menina já apresentou todas as peças musicais de quem admira, mas agora está mais para mãe também, dos irmãos pequenos, mas mãe que toca mais rebu que seus novos afilhados.Não há paz, nem sossego, fora a paz dos filhos bem e o sossego da casa com crianças. Perde-se a mulher: para você alcançá-la precisa lidar com um moça e dois homens enormes, louros, altos, de olhos de um azul mais profundo e terno do que os meus já foram um dia, exigentes, sedutores, com frases mais inteligentes que as minhas e, nórdicos e vikings que são, todos com interesses hegemônicos. Quando, num dia de sorte, enfim alcanço a mulher que já foi minha um dia, ela sorri um sorriso de interesse de entrega, mas já exausta tudo o que me resta são as migalhas do dia. E não ouso querer-lhe a noite, pois são insones não de insônia mesmo, mas por conta dos cuidados e remédios premeditamente salpicados pela noite por algum médico que quer ter certeza que, pela manhã, no átimo entre o acordar de um e dormir doutro, não existirá mulher com condição alguma de atender aos meus interesses curiais. Você perde sua mulher para dois outros, e ainda sorri, satisfeito, quando eles decidem, vez ou outra, lhe dar o beijo ou abraço que, em profusão, dedicam à mãe exausta porém igualmente encantada.A casa não resiste, nem a arrumação por melhor que seja, mas não deixam de ser mera representação gráfica dos nossos filhos em nossa alma e mente: nada fica no lugar, a começar pelo nosso exaltado e enternecido coração, quando os filhos entram na casa da vida da gente.